15 maio, 2010

Perguntar porquê...

O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e a esquerda
E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei Ter o pasmo essencial que tem uma criança
Se ao nascer, reparasse que nasceras deveras...

Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo

Creio no mundo como um malmequer
Porque o vejo, mas não penso nele
Porque pensar é não compreender

O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia, tenho sentidos...
Se falo na natureza não é porque a amo, amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama.
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência
E a única inocência é não pensar.
Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914

Vivemos numa sociedade que se diz “liberal”, “aberta”, “globalizada”. Estas expressões acabam por descrever o contrário daquilo que supostamente se pretende. Aonde se queria maior justiça e igualdade, assiste-se ao controlo do poder político e dos interesses próprios. A realidade é que as pessoas se recusam a sentir, a defender aquilo em que acreditam, confiando na lei e na justiça divina que tarda mas não demora…

Enquanto isso e sem que o controlemos, milhões de crianças vão nascendo, sem que essa nossa mentalidade “liberal” chegue às suas casas. Esquecemo-nos de as educar, de lhes dar uma base moral sólida, juntando muito amor e carinho. Esquecemo-nos de que enquanto matamos e esfolamos, está uma criança ao nosso lado, a assistir. Já não há espaço nos recreios para o “jogo do elástico” ou do “Mamã dá licença?”. Incutimos nos corações inocentes raiva simplesmente porque é mais fácil bater do que discutir ideias. O argumento é só um: a sociedade tem de ser evoluída. Mas para que evolua é necessário partir de algo. E esse algo normalmente não existe. Mas também ninguém pergunta “porquê?”. Esta atitude, própria de uma criança, não tem espaço nas nossas casas, nos nossos recreios, e mais grave, nas nossas escolas. É quase vergonhoso ser-se criança, perguntar o porquê das coisas e ter a ingenuidade e a verdade no olhar, “o pasmo essencial que tem uma criança” de que fala Alberto Caeiro no poema transcrito. Daí a urgência de debates sobre a realidade quotidiana das crianças. E a conferência no dia 25 de Maio intitulada “Brinquedos por direitos?”, é um bom dia para perguntarmos o porquê disto tudo.

Joana Carrilho

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