29 maio, 2010

Trocam-se armas por sonhos

A Amnistia Internacional regista: 1,2 milhões de crianças traficadas, 5,7 milhões utilizadas escravizadas, 1,8 milhões forçadas a prostituir-se, 300.000 crianças participantes em conflitos armados, 600.000 ligadas a actividades ilícitas. Todos os dias.

A cada vinte e quatro horas novas crianças pegam em metralhadoras, pegam em granadas, seus corpos saltam desmembrados, aterram no chão sem alguma vez ter conhecido a infância.

A criança soldado é real. Sobrevive como lhe é possível, em Angola, Burundi, Chade, Myanmar, Nepal, Colômbia, Rússia, Iémen, Irão, Iraque, Israel, Palestina, entre tantos outros. Perde a noção de bem e de mal. Perde o contacto com realidades como o afecto, o amor, a brincadeira, a aprendizagem. Perde os laços familiares e o respeito pela vida humana. Perde o medo? Ganha traumas, ao invés.

Aos quinze anos, Rosa (nome fictício) diz-nos: “Gostava de passar uma mensagem. Por favor façam o vosso melhor para contar ao mundo o que se passa connosco, crianças. Para que assim outras crianças não tenham de passar pelo mesmo”. Rosa foi forçada pelo LRA (Lord’s Resistance Army) a participar na guerra civil no Uganda, foi forçada a matar um menino da sua idade que tentou fugir, foi obrigada a ter treino militar, para ser mais tarde jogada num contentor de água de onde fugiu sob fogo.

A Amnistia Internacional, em parceria com muitas outras organizações, preocupa-se com crianças como Rosa, e ousa combater este flagelo através da Coligação pelo fim da utilização de crianças soldado. Esta coligação tenta prevenir a utilização de crianças em cenário de guerra, assegurando ainda às que já caíram nesse infortúnio a desmobilização e reintegração na sociedade e vida de que foram privadas.

Longe deste cenário bélico, perto de outros de igual violência, a Amnistia Internacional vigia o cumprimento da Convenção sobre os Direitos da Criança (ver texto infra). Assim, está atenta à prisão de crianças em países como a Nigéria, à condenação à morte de quem comete crimes em criança, às crianças vítimas de trabalho infantil, às condições de saúde materno-infantil, às crianças vítimas de crime, às crianças levadas para vidas de criminalidade por quem abusa da autoridade que exercem sobre seres humanos tão indefesos. São situações como esta que a Rede pelos Direitos das Crianças (http://www.facebook.com/home.php?#!/pages/Amnesty-International-Childrens-Human-Rights/261482970447?ref=ts) visa com as suas acções de pesquisa, de alerta, de lobby. Realidades mais ou menos distantes da realidade portuguesa, mas sempre patentes de, sem que o saibamos, se cruzarem connosco na rua, sob a forma de uma criança de cinco anos de olhos tristes.

A criança não é um pequeno adulto, como em tempos de grandes duquesas de penteados ornamentados se julgava. A criança é pessoa, com dignidade, e especialmente frágil, colocando-nos a todos, metaforicamente, numa posição de garante. Se a criança é o futuro, a criança somos todos nós, a nossa continuação, o reflexo da sociedade que formamos. E hoje essa comunidade global volta a esquecer a inocência que tanto prezou, esquece a vulnerabilidade da criança, esquece o amor a dar à criança. A criança não faz somente o mundo pulsar e avançar, a criança é o mundo. Olhemos em volta, pode ainda uma criança chorar?

Ana Ferreira

Brinquedos por direitos?

Tópicos de uma intervenção proferida em 25 de Maio de 2010, na Conferência “Brinquedos por Direitos?”, organizada pelo Núcleo da Amnistia Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pelo Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, José de Melo Alexandrino. Ver o texto na íntegra em http://icjp.pt/System/files/Brinquedos%20por%20direitos.pdf

Segundo Eric Voegelin, Nietzsche forneceu a sua chave de auto-interpretação numa nota de 1884 intitulada Via da Sabedoria1 :“A Via da Sabedoria é cumprida em três fases. Na primeira, o homem tem de respeitar, obedecer e aprender. É o tempo da ascese espiritual, da admiração e do combate às inclinações mesquinhas. Na segunda, o coração tem de quebrar as suas amarras, cultivar a independência, o deserto e o espírito livre. Por fim, o viajante decide se está apto para a acção positiva. É o tempo do instinto criador e da grande responsabilidade em que o homem se concede a si mesmo o direito de agir”2.

Fixados na primeira fase, tomemos agora uma outra síntese, feita por Ignacio Campoy Cervera sobre o entendimento de Rousseau: “[...] no que diz respeito à infância, a atenção tem de centrar-se na criança, porque a infância tem, como qualquer outra etapa da vida, a sua própria perfeição; por outro lado, o homem é bom por natureza, de onde resulta que a intervenção externa das pessoas prejudica o desenvolvimento vital”3.

Eis-nos perante um grande contraste de perspectivas sobre como entender a infância, contraste que tomarei como ponto de partida e como referência para situar o problema dos direitos da criança; no final, porque clarificações desse tipo se tornam cada vez mais urgentes, direi de qual dessas duas perspectivas me considero mais próximo.

Não sendo fácil definir uma linha de análise que tivesse em conta o tema expresso (brinquedos por direitos?) e o tema que me foi dito estar subjacente ao colóquio (o bullying), a via de saída que encontrei foi esta: (i) começar pela perspectiva jurídica do mundo dos direitos das crianças, sistematizando aí algumas ideias; (ii) para tentar, depois, uma observação interdisciplinar da relação entre crianças e direitos, no quadro do que podemos designar de uma teoria da complexidade4.

Importa então concluir, tentando responder à pergunta subjacente ao confronto inicial: tem razão Nietzsche ou Rousseau? Ou, se quiserem, tem mais razão Nietzsche ou Rousseau?

Não hesito na resposta: Nietzsche tem razão!

Independentemente de dever brincar e de ser, hoje – como ainda não era no tempo de Nietzsche – titular de um conjunto de direitos (onde talvez se possa vir a incluir uma imunidade contra o excesso de brinquedos), a criança há-se necessariamente respeitar, obedecer e aprender, ainda que numa estrutura móvel, articulada com a sua progressiva autonomia:


(1) Respeitar certos valores, a começar pela consideração devida ao outro5;
(2) Obedecer àqueles que definem a direcção da educação, respeitados os limites correspondentes aos seus direitos;
(3) Aprender – o que significa necessariamente esforço, sacrifício, empenhamento.
Ao invés, também nesta parte Rousseau se equivocou: nenhuma pessoa se realiza sem uma devida e qualificada interacção com o contexto exterior (aí incluindo os valores recebidos do passado).

1Eric Voegelin, Estudos de Ideias Políticas: de Erasmo a Nietzsche, Lisboa, Ática 1996, p. 225
2Ibidem
3Ignacio Campoy Cervera, «La educación de los niños en el discurso de los derechos humanos», in Id. (org.), Los Derechos de los Niños: perspectivas sociales, políticas, jurídicas y filosóficas, Madrid, Dikinson, 2007, p. 171 [149-201].
4Para uma aplicação, José de Melo Alexandrino, A estruturação do sistema de direitos, liberdades e garantias na Constituição portuguesa, vol. I – Raízes e contexto, Coimbra, 2006, pp. 82 ss.
5Sobre o tópico do crescimento do sentimento de empatia, “entendido como capacidade que tem o homem de sentir como seu (o que quer dizer na mesma medida) o sofrimento das outras pessoas”, Ignacio Campos Cervera, «La educación de los niños...», p. 195.

19 maio, 2010

Brinquedos por direitos?



- Prof. Doutora Helena Marujo (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da UL)
- Prof. Doutor José de Melo Alexandrino (Faculdade de Direito da UL)
- Dr. Armando Leandro (Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco)

25 de Maio de 2010
Anfiteatro 3 - Faculdade de Direito de Lisboa
15.00 horas

17 maio, 2010

O mundo das crianças

A linguagem dos juristas nem sempre é a mais simples; a que permite uma apreensão intuitiva do que se quer dizer; a mais atractiva para uma leitura leve. Exigências de segurança e certeza jurídica assim o impõem.
Mas não é esse o mundo das crianças. A UNICEF, atenta a isso, redigiu um desdobrável “Conhece os teus Direitos”, no qual a “Convenção sobre os Direitos da Criança” foi transformada num documento atractivo, simples, directo e pessoal – até pelo discurso na primeira pessoa - que contém os principais artigos da Convenção.
E começa assim: “Sabias que tens direitos?”. A pergunta faz todo o sentido, e ser dirigida directamente ao destinatário desses mesmos direitos põe a tónica da questão não nos pais, ou nos encarregados de educação, por exemplo, mas em todas as crianças. E é esta curiosa perspectiva que pretendemos frisar neste texto.
O início do desdobrável tem três partes. Começa pelos direitos:
“Os teus direitos dizem respeito ao que podes fazer, e ao que as pessoas responsáveis por ti devem fazer para que sejas feliz, saudável e te sintas seguro.”
Continua pelos deveres:
“Mas, claro que tu também tens responsabilidades para com as outras crianças e para com os adultos para que também eles gozem dos seus direitos.“
Termina explicando o que é uma convenção:
“Uma convenção é um acordo assinado entre países, para obedecerem à mesma lei. Quando o governo de um país ratifica uma convenção, quer dizer que se compromete a cumprir o que está escrito nessa convenção.”

Pode, claro, perguntar-se se as crianças não são demasiado jovens para compreender os seus direitos. É precisamente esta uma das questões do documento “As questões dos pais”, também elaborado pela Unicef.
Citamos a resposta dada: o interesse das crianças por questões relacionadas com os seus direitos e a forma como os pais as tomam em consideração, variam de acordo com a idade. Ajudar uma criança a compreender os seus direitos não quer dizer persuadi-la a fazer escolhas, cujas consequências não têm maturidade para assumir. A Convenção encoraja os pais a dialogarem com os filhos sobre os seus direitos “... de forma compatível com o desenvolvimento das suas capacidades” (Art. 5). Quando os pais ajudam os filhos a compreender, tanto os seus direitos como as suas responsabilidades, e a respeitar os direitos dos outros, estão a lançar as bases para uma vida adulta responsável. Assim, educam os filhos de acordo com o preâmbulo da Convenção, “... em conformidade com os princípios proclamados pela Carta das Nações Unidas, e especialmente num espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade”.

Os direitos das crianças são um assunto muito sério. Quer pela importância destas no mundo, quer pela sua fragilidade que tem de ser protegida, quer pelo facto de, apesar de tudo o que foi dito, elas carecerem de protecção, não conseguindo efectivar, por si, os seus direitos.
Mas, levanto a questão: não serão estes pequenos métodos de sensibilização um bom passo no caminho de sedimentar os direitos das crianças em toda a sociedade?

Fica a questão, juntamente com os links para consultar os interessantes documentos.
Desdobrável “Conhece os teus direitos”
http://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/desbobravel_conhece_teus_direitos.pdf
Perguntas dos pais: http://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/as_perguntas_dos_pais.pdf
Pedro Azevedo

15 maio, 2010

Perguntar porquê...

O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e a esquerda
E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei Ter o pasmo essencial que tem uma criança
Se ao nascer, reparasse que nasceras deveras...

Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo

Creio no mundo como um malmequer
Porque o vejo, mas não penso nele
Porque pensar é não compreender

O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia, tenho sentidos...
Se falo na natureza não é porque a amo, amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama.
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência
E a única inocência é não pensar.
Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914

Vivemos numa sociedade que se diz “liberal”, “aberta”, “globalizada”. Estas expressões acabam por descrever o contrário daquilo que supostamente se pretende. Aonde se queria maior justiça e igualdade, assiste-se ao controlo do poder político e dos interesses próprios. A realidade é que as pessoas se recusam a sentir, a defender aquilo em que acreditam, confiando na lei e na justiça divina que tarda mas não demora…

Enquanto isso e sem que o controlemos, milhões de crianças vão nascendo, sem que essa nossa mentalidade “liberal” chegue às suas casas. Esquecemo-nos de as educar, de lhes dar uma base moral sólida, juntando muito amor e carinho. Esquecemo-nos de que enquanto matamos e esfolamos, está uma criança ao nosso lado, a assistir. Já não há espaço nos recreios para o “jogo do elástico” ou do “Mamã dá licença?”. Incutimos nos corações inocentes raiva simplesmente porque é mais fácil bater do que discutir ideias. O argumento é só um: a sociedade tem de ser evoluída. Mas para que evolua é necessário partir de algo. E esse algo normalmente não existe. Mas também ninguém pergunta “porquê?”. Esta atitude, própria de uma criança, não tem espaço nas nossas casas, nos nossos recreios, e mais grave, nas nossas escolas. É quase vergonhoso ser-se criança, perguntar o porquê das coisas e ter a ingenuidade e a verdade no olhar, “o pasmo essencial que tem uma criança” de que fala Alberto Caeiro no poema transcrito. Daí a urgência de debates sobre a realidade quotidiana das crianças. E a conferência no dia 25 de Maio intitulada “Brinquedos por direitos?”, é um bom dia para perguntarmos o porquê disto tudo.

Joana Carrilho

13 maio, 2010

Bullying, um fenómeno de sempre mas não para sempre

O bullying, termo inglês utilizado para descrever actos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, é um comportamento caracterizado pela ameaça ou agressão.

É um comportamento que abrange todas as formas de atitude agressivas que ocorrem intencional e repetidamente que são resultado da uma falta de motivação evidente. É um comportamento praticado por um indivíduo ou grupo de indivíduos tendo por base o objectivo de intimidar ou agredir outro indivíduo ou grupo de indivíduos. É perpetrado por crianças ou jovens que, aparentemente, têm mais força, poder ou influência do que a vítima.

Há muito que antropólogos, sociólogos, psicólogos estudam alguns factores que tentam explicar o comportamento humano incluindo factores genéticos e hereditários e até aspectos ambientais que provocam determinadas acções e reacções num indivíduo. Com isto, tenta-se explicar que há factores de base genética, bem como outros de base ambiental, que se diz explicar a propensão para a violência de um determinado indivíduo prevendo, desta forma, se existe uma maior probabilidade deste se vir a tornar em alguém violento ou até mesmo um criminoso. Sobre isto é preciso dizer que a grande maioria da comunidade científica concorda com uma interacção entre tendências genéticas e influências ambientais e que esta interacção controla o comportamento humano.

Apesar de, ser actualmente, detectado em quase todos os países do mundo, o estudo do bullying foi iniciado por Dan Olweus, psicólogo norueguês, nos anos 70 em Inglaterra, onde este vivia.

Com o intuito de explicar alguns tipos de violência, alguns cientistas têm sido levados a olhar também para fora do indivíduo, para o ambiente que o rodeia, ou seja, as cidades.

Tendo por base o conceito cidade, é infinita a lista de factores que podem estar ligados à questão da violência. Ainda assim, mesmo com todas as influências negativas que podem influenciar o comportamento do indivíduo, há sempre uma excepção e há muitos indivíduos que nunca se chegam a tornar violentos e agressivos.

Então, nas palavras de um neuropsiquiatra da Universidade de Massachussets (EUA) que dá pelo nome de Craig Ferris percebe-se a ironia da incerteza apesar do consenso da comunidade científica:

“O comportamento é 100% hereditário e 100% ambiental.”

À vista desarmada, pode parecer uma simples brincadeira entre crianças que se insultam verbalmente ou chegam mesmo a agredir-se fisicamente, mas a verdade é que não deve ser encarado desta forma. A criança escolhida como alvo da agressão (seja ela física, verbal ou psicológica) pode mesmo chegar a entrar em depressão em consequência das agressões que podem mesmo tomar a proporção da moral. Neste ponto, encerra aqui a questão da sociedade como agente activo e protector neste fenómeno que, segundo os estudos, sempre existiu mas que tomou este nome há pouco tempo.

Para identificar um bully, dever-se-á relevar os seguintes aspectos: a sua empatia, que, no caso de serem perpetradores de agressões, será muito baixa; por norma, pertencem a famílias cujo sistema é desestruturado e nas quais há uma inexistência de relacionamentos afectivos entre os membros; pretendem obter força, poder, domínio e fama – no caso, na escola – ameaçando os outros.

Há sugestões que indicam que os comportamentos agressivos têm a sua origem na infância e que os que praticam bullying têm grande probabilidade de se tornarem adultos com comportamentos anti-sociais e/ou violentos, podendo mesmo tornar-se criminosos.

Ainda assim, é preciso fazer valer que o bullying não envolve necessariamente criminalidade ou violência.

O bullying divide-se em duas categorias:

• Bullying directo – forma mais comum entre os agressores masculinos;
• Bullying indirecto – conhecido como agressão social e a forma mais comum de bullies do sexo feminino e crianças pequenas, caracterizada por forçar a vítima ao isolamento social.

Tendo em conta as categorias, seguidamente enumeram-se os 5 tipos de actores co-implicados no bullying:

1. Agressor – que, como já foi apontado anteriormente, pretende obter força, poder e domínio;
2. Vítima;
3. Defenders – alunos que defendem as vítimas e actuam contra o bullying;
4. Bystanders – alunos que presenciam a situação e reforçam positivamente a acção do agressor;
5. Outsiders – alunos que não se manifestam nem de forma positiva nem de forma negativa.

Para se compreender a importância deste fenómeno é preciso saber que, quando praticado de forma persistente pode ter um ou vários efeitos no sujeito e/ou no ambiente onde ocorre. E quando o mesmo se descura, o ambiente escolar torna-se problemático afectando de forma negativa, sem excepção, todos os intervenientes no espaço escolar minando-o com sentimentos de ansiedade e medo que facilmente poderão vir a desencadear outros sentimentos ainda mais graves para a sociedade, como o abandono escolar, doenças psicossociais.

Assim, para a eliminação da violência na escola, devem ser criadas e tomadas as medidas necessárias por quem de valor e superior. As medidas passarão por se estar mais atento a qualquer situação suspeita e de abuso de criança ou grupos de crianças em torno da vítima/ vítimas, o que não exclui quem mesmo não participando activamente no bullying incentiva e acaba por isolar voluntariamente a vítima/as vítimas, seja de que forma for.

A ciência tem feito a sua parte, a família e quem educa devem admitir o fenómeno e encará-lo de maneira cuidadosa e atenta, principalmente, quando se está dentro do ambiente em que este toma lugar de forma mais directa.

É, de facto, um fenómeno que poderá ser evitado e terminado de forma absoluta quero crer, se os pais e os professores estiverem atentos.

Maria Rocha

10 maio, 2010

Bullying...

...Fenómeno recente ou só acordámos agora?

Caros amigos,
Venho dar o meu contributo para este projecto sobre um assunto que tenho como, ao mesmo tempo, causa e efeito de outros que nos afectam a todos como membros da sociedade.
Antes de mais, gostava de vos deixar um retrato do dia-a-dia escolar que vivenciei em duas escolas diferentes da periferia de Lisboa que frequentei. Escolas que eram frequentadas por alunos de todos os tipos de famílias, de várias origens, com variados modos de encarar a vida escolar e em geral. Contudo, dividiam-se facilmente em três tipos de alunos e aqui o que observei não distingue géneros.
Primeiro, os que abusavam dos outros, hoje chamados Bullies como se o fenómeno fosse novo e completamente desconhecido, que se “divertiam” de várias formas e feitios, fosse com assaltos e roubos a colegas que sabiam de antemão que não ofereciam resistência, com assédios às colegas, com pseudo diversões em que se escolhe um colega para humilhar ou agredir todos os dias, dias a fio, semanas, com o resultado a ser ninguém querer criar laços com a vítima por receio de sofrer igual destino por associação, já para não falar que ocasionalmente lá havia o professor gozado ou agredido por motivos da ordem mais fútil imaginável com repercussões que escapavam à maioria dos estudantes.
Depois, há a generalidade da população escolar, os que não abusavam nem se deixavam abusar, ou que tinham a sorte de não ser notados pelos abusadores, e por não sofrerem na pele as provações dos colegas também não actuavam para mudar a situação. Esta indiferença ou medo é a verdadeira arma que os abusadores dispõem pois possibilita que, ao ser aceite o status quo pela população geral, continuem a perpetrar as suas tropelias, só porque sim e impunemente, já que o remédio da escola é simplesmente suspender os abusadores quando a situação gera celeuma, muitas vezes com o resultado ser a vítima a sofrer retaliações dentro e fora da escola por parte do abusador e até de individualidades exteriores à escola.
Por fim, a categoria dos que não tinham a felicidade de poder ir para escola para aprender, estudar ou estar com os amigos e colegas. Os que tinham dores no corpo todo, febres e toda uma colecção de sintomas médicos todos os domingos à noite com medo da segunda-feira de manhã. Os que sabiam que se não levassem X de dinheiro para dar a A, B e C no outro dia iam apanhar até A, B e C se fartarem de rir e de agredir. E ainda todos os outros que simplesmente sofriam calados porque mostrar medo ou fraqueza era agravar a já precária situação em que estavam. Agora o leitor veja-se a viver assim, de segunda a sexta, das 8 e meia da manhã às seis e meia da tarde, a saber que no mínimo à hora da saída Eles estavam sempre à porta da escola com respectivos irmãos, primos, camaradas, sócios e toda uma panóplia de rapaziada para “atrofiar cos putos”, durante anos, no mínimo três. Imagine ainda que em casa não pode dizer nada por medo que também façam mal à família, que a escola simplesmente não quer saber, que a polícia também não pode fazer nada porque afinal são “jovens”…
O que acabei de descrever, vi e presenciei, felizmente não sofri na pele, mas tenho plena noção que foi pura e simplesmente por haver outras vitimas mais fáceis. Todavia, posso dizer que desde essa altura nasceu o desejo de mudar esta situação, por isso deixo um par de reflexões.
Em primeiro, porque não criar no âmbito da área projecto, nos anos mais avançados, um programa de apadrinhamento escolar em que os alunos mais antigos, incluindo os abusadores, contribuíssem para integrar os mais novos na escola e não os deixassem cair em isolamento, pois esse é o principal factor que leva um aluno a ser vitimizado. Para além disto, o projecto poderia contribuir para cultivar o sentido de responsabilidade nos alunos mais velhos, um sentimento de reconhecimento dos mais novos, que os levaria a sentirem-se mais adultos e efectivamente terem na sua mão o poder/dever de influenciar o sucesso de alguém. Na mesma medida em que actualmente as marcas do bullying permanecem na vida das vítimas, também estes laços poderiam manter-se e beneficiar ambas as partes. Obviamente que toda a ideia iria depender de se ter em conta as especificidades de cada ambiente escolar e da vontade das escolas em desenvolverem um trabalho que vá para além dos “mínimos olímpicos”.
Outra solução, de cariz mais preventivo ou punitivo que traria certamente a atenção dos encarregados pelos abusadores, seria atingir as prestações sociais que muitos deles auferem ou criar um sistema de contra-ordenações pesadas já que a grande maioria dos abusadores são intocáveis penalmente e a escola não dispõe de medidas efectivas para além da suspensão disciplinar que simplesmente não tem efeitos em termos de reabilitação ou prevenção.
Ainda uma terceira via seria criar uma triagem psicológica para abusadores reincidentes pois o que se tem passado é uma mensagem de impunidade destas atitudes anti-sociais e muitas delas indiciadoras de problemas do foro psicológico.
Por fim, e em jeito de despedida, espero ter contribuído para a discussão de soluções para este problema que tem reflexos em toda a sociedade pelas marcas que deixa nas vitimas, directas e indirectas, e que essas soluções sejam encontradas e aplicadas o mais rápido possível, sob pena de um dia haver uma tragédia escolar semelhante das que já nos chegaram dos EUA, Finlândia e Alemanha.

Pedro Ramos