10 maio, 2010

Bullying...

...Fenómeno recente ou só acordámos agora?

Caros amigos,
Venho dar o meu contributo para este projecto sobre um assunto que tenho como, ao mesmo tempo, causa e efeito de outros que nos afectam a todos como membros da sociedade.
Antes de mais, gostava de vos deixar um retrato do dia-a-dia escolar que vivenciei em duas escolas diferentes da periferia de Lisboa que frequentei. Escolas que eram frequentadas por alunos de todos os tipos de famílias, de várias origens, com variados modos de encarar a vida escolar e em geral. Contudo, dividiam-se facilmente em três tipos de alunos e aqui o que observei não distingue géneros.
Primeiro, os que abusavam dos outros, hoje chamados Bullies como se o fenómeno fosse novo e completamente desconhecido, que se “divertiam” de várias formas e feitios, fosse com assaltos e roubos a colegas que sabiam de antemão que não ofereciam resistência, com assédios às colegas, com pseudo diversões em que se escolhe um colega para humilhar ou agredir todos os dias, dias a fio, semanas, com o resultado a ser ninguém querer criar laços com a vítima por receio de sofrer igual destino por associação, já para não falar que ocasionalmente lá havia o professor gozado ou agredido por motivos da ordem mais fútil imaginável com repercussões que escapavam à maioria dos estudantes.
Depois, há a generalidade da população escolar, os que não abusavam nem se deixavam abusar, ou que tinham a sorte de não ser notados pelos abusadores, e por não sofrerem na pele as provações dos colegas também não actuavam para mudar a situação. Esta indiferença ou medo é a verdadeira arma que os abusadores dispõem pois possibilita que, ao ser aceite o status quo pela população geral, continuem a perpetrar as suas tropelias, só porque sim e impunemente, já que o remédio da escola é simplesmente suspender os abusadores quando a situação gera celeuma, muitas vezes com o resultado ser a vítima a sofrer retaliações dentro e fora da escola por parte do abusador e até de individualidades exteriores à escola.
Por fim, a categoria dos que não tinham a felicidade de poder ir para escola para aprender, estudar ou estar com os amigos e colegas. Os que tinham dores no corpo todo, febres e toda uma colecção de sintomas médicos todos os domingos à noite com medo da segunda-feira de manhã. Os que sabiam que se não levassem X de dinheiro para dar a A, B e C no outro dia iam apanhar até A, B e C se fartarem de rir e de agredir. E ainda todos os outros que simplesmente sofriam calados porque mostrar medo ou fraqueza era agravar a já precária situação em que estavam. Agora o leitor veja-se a viver assim, de segunda a sexta, das 8 e meia da manhã às seis e meia da tarde, a saber que no mínimo à hora da saída Eles estavam sempre à porta da escola com respectivos irmãos, primos, camaradas, sócios e toda uma panóplia de rapaziada para “atrofiar cos putos”, durante anos, no mínimo três. Imagine ainda que em casa não pode dizer nada por medo que também façam mal à família, que a escola simplesmente não quer saber, que a polícia também não pode fazer nada porque afinal são “jovens”…
O que acabei de descrever, vi e presenciei, felizmente não sofri na pele, mas tenho plena noção que foi pura e simplesmente por haver outras vitimas mais fáceis. Todavia, posso dizer que desde essa altura nasceu o desejo de mudar esta situação, por isso deixo um par de reflexões.
Em primeiro, porque não criar no âmbito da área projecto, nos anos mais avançados, um programa de apadrinhamento escolar em que os alunos mais antigos, incluindo os abusadores, contribuíssem para integrar os mais novos na escola e não os deixassem cair em isolamento, pois esse é o principal factor que leva um aluno a ser vitimizado. Para além disto, o projecto poderia contribuir para cultivar o sentido de responsabilidade nos alunos mais velhos, um sentimento de reconhecimento dos mais novos, que os levaria a sentirem-se mais adultos e efectivamente terem na sua mão o poder/dever de influenciar o sucesso de alguém. Na mesma medida em que actualmente as marcas do bullying permanecem na vida das vítimas, também estes laços poderiam manter-se e beneficiar ambas as partes. Obviamente que toda a ideia iria depender de se ter em conta as especificidades de cada ambiente escolar e da vontade das escolas em desenvolverem um trabalho que vá para além dos “mínimos olímpicos”.
Outra solução, de cariz mais preventivo ou punitivo que traria certamente a atenção dos encarregados pelos abusadores, seria atingir as prestações sociais que muitos deles auferem ou criar um sistema de contra-ordenações pesadas já que a grande maioria dos abusadores são intocáveis penalmente e a escola não dispõe de medidas efectivas para além da suspensão disciplinar que simplesmente não tem efeitos em termos de reabilitação ou prevenção.
Ainda uma terceira via seria criar uma triagem psicológica para abusadores reincidentes pois o que se tem passado é uma mensagem de impunidade destas atitudes anti-sociais e muitas delas indiciadoras de problemas do foro psicológico.
Por fim, e em jeito de despedida, espero ter contribuído para a discussão de soluções para este problema que tem reflexos em toda a sociedade pelas marcas que deixa nas vitimas, directas e indirectas, e que essas soluções sejam encontradas e aplicadas o mais rápido possível, sob pena de um dia haver uma tragédia escolar semelhante das que já nos chegaram dos EUA, Finlândia e Alemanha.

Pedro Ramos

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